Aos nossos amigos:

Eduardo Fraga
4 min readAug 16, 2020

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CRISE e INSURREIÇÃO.

Anotações sobre o livro do comitê invisível — grupo anônimo de ativista e escritores ligados à filosofia e à teoria política, que teria sua origem nos “nove de Turnac”. Aos nossos amigos: Crise e Insurreição, Comitê Invisível. Tradução Edições Antipáticas.

*última atualização em 16 de agosto de 2020.

“Não há outro mundo. Há simplesmente uma outra maneira de viver.” Hobin Hood Francês, Jacques Mesrine

  1. As insurreições finalmente chegaram

A partir das insurreições públicas que começam em 2008, uma solidez global aparente, como a ruir. Da Tunísia, Turquia ao Brasil, passando pelos Estados Unidos, Grécia e Islândia. Em 2016, quando o livro é publicado no Brasil, ocupar praças tornou-se “um reflexo político básico, como ontem foi a greve” (p. 12). 2020, e as manifestações globais pela defesa das vidas negras (referência IBGE) e dos trabalhadores informais, confirma a tese.

O crescimento atual dos fascistas já eram tema de reflexões: “a inexistência de forças revolucionárias suficientemente confiantes em si mesmas abre caminho àqueles cuja única ocupação é justamente simular a autoconfiança e de apresentá-la como espetáculos: os fascistas. A impotência amargurada. (p. 13)”

“Não desistimos nem de construir mundos, nem de atacar este.” (p.15)
“Pensar, atacar, construir (carta no final do livro)”

Comum Terrestritude, expressão de Gramsci. A intenção de “nos livrar de todo esse amontoado mental que obstrui uma compreensão clara de nossa situação comum.” E segundo os autores, essa obstrução vem da “herança ideológica”: “o erro da ideologia é precisamente criar uma barreira entre pensamento e coração.” (p. 17)

Por tanto, as tomadas de praças públicas que vem se tornando rotinas globais desde a Crise dos Bancos (2008) estão conectadas. Uma “onda mundial de levantes que se comunicam entre si” (p.15) e que estão contra o mesmo inimigo, o “1% de poderosos”. Para os autores, esse 1% não tem relação com riqueza ou fama, mas com sua organização para não deixar as relações de poder mudarem em excesso. “Se organizar é agir segundo uma percepção comum, em qualquer nível que seja.” É ter uma “percepção partilhada da situação” (p.19). Por isso o livro, uma peça central para que um debate global (o livro foi editado simultaneamente em oito línguas) gere uma inteligência partilhada da situação incontornável que vivemos.

2. Merry Crisis and Happy New Fear

Atenas, dezembro de 2008

2.1 A Crise É Um Modo de Governo

“Se quiserem impor uma mudança”, aconselhava Milton Friedman aos seus Chicago Boys, “desencadeiem uma crise”. (p.24)

Os autores apresentam o capital como gerador de esforço para que as crises aconteçam. O triunfo do “capitalismo de crise”. A crise é gerada de para que a política ofereça um remédio ideal para o capital e não ideal para a maioria. Sobressaltos de dignidade ao invés de indignação.

O mito capitalista da “destruição criativa”, a destruição do velho pelo novo é na verdade a crise como modo de governo. Nunca uma crise efetiva, aquela que abre espaço para a mudança efetiva. Ao invés do momento da crítica, o momento crítico.

“A crise permanente de tudo — dos organogramas aos programas sociais, das empresas aos bairros — através de uma perturbação constante das condições de existência, uma forma de organizar a inexistência do partido opositor.” (p.26)

2.2 A Verdadeira Catástrofe É Existencial e Metafísica

O orgulho da nossa (época) é realizar a colisão histórica de uma crise ecológica planetária, de uma crise política generalizada das democracias e de uma inexorável crise energética, sendo o todo coroado por uma crise econômica mundial crescente e “sem equivalente desde há uma século. (p. 29)

Desde o fim da guerra fria, o estado de alerta para defender o sistema mudou. Nossa maior questão é filosófica (sempre?), “trata-se de compreender que a nossa civilização já morreu” (p.33).

Basta enxergar a “catástrofe que está aqui, e já há bastante tempo, da catástrofe que nós somos, da catástrofe que é o Ocidente.” Existencial, afetiva e metafísica pois a catástrofe está na estranha relação da humanidade ocidental (dominante) com o mundo. O temor que exige que sejamos donos (dominador, controlador) de tudo. Uma subtração do homem em relação ao planeta. Por isso, talvez, a necessidade de intermediação via telas.

Aparelhagem sofisticada da ausência. “A crise não é econômica, ecológica ou política, a crise é antes de tudo crise de presença.” (p.35).

“colocar a Terra no centro. É uma declaração de guerra contra o Homem.” (p.39)

“Não sabemos se a insurreição terá ares de assalto heroico ou se será uma crise de choro planetária — um acesso brutal de sensibilidade após décadas de anestesia, de miséria, de estupidez.” “Nada nos garante que não vão preferir a opção facista à revolução.” .

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