Sensibilizar para mudar.

Exercício sobre o papel de personagens para gerar mudança real na sociedade brasileira.

Eduardo Fraga
5 min readApr 13, 2022
Exercícios para Evolução do Nelson da Silva Neto @ FMCSV e ABAETE ®2021
Exercícios para Evolução do Nelson da Silva Neto @ FMCSV e ABAETE ®2021

No último ano mergulhei na força de um personagem de animação para uma causa.

Na prática, transformando o Nenê do Zap, da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV), no Nelson da Silva Neto: um personagem para comunicar a importância da primeira infância (0). Também na teoria em diferentes estudos de caso de personagens como o Zé Gotinha, o Senninha, a Turma da Mônica e o Inside Out (Divertidamente).

Sensibilizar a sociedade é chave para gerar mudança, impacto real e em escala. Quando as pessoas se tornam sensíveis a determinado assunto-posição movemos o comportamento dessas pessoas e, por consequência, das sociedades em que elas vivem. Como explica Sam Sterning (1), ao invés de dizer para as pessoas o que elas devem fazer, precisamos motiva-las.

Entre as formas de sensibilizar a sociedade, personagens parecem ter especial capacidade de participar do imaginário coletivo e ser parte da cultura. A participação na cultura acontece mesmo que o personagem não tenha intenção mudar/influenciar uma sociedade.

Essa é uma das principais diferenças entre personagens criados pelo poder público e por instituições sem fins lucrativos da sociedade civil e personagens criados por estúdios privados como a Maurício de Sousa e a Disney ou Pixar. Os personagens comerciais também influenciam e constroem nossa ética coletiva porém sua razão de existir é, primeiramente, gerar sucesso comercial. Essa necessidade cria estratégias e habilidades essenciais para sustentabilidade e existência a longo prazo dos personagens. Estratégias e habilidades que faltam aos personagens não comerciais.

Quanto mais desejado pela audiência, mais assistido e repetidamente reproduzidos em novas temporadas, continuações e em diferentes produtos como cadernos e mochilas, maior a chance de um personagem influenciar a cultura. Ter uma base consistente de fãs, uma comunidade.

De toda forma, é como se existisse uma matriz em que há uma régua de intensidade que separa dois ‘tipos de personagens’. Os que possuem como objetivo inicial transformar a sociedade em que está inserido dos que possuem em primeiro plano o objetivo comercial de gerar resultado e sucesso.

Outra diferença significativa é a complexidade e elaboração do universo do personagem. Personagens que surgem dentro do contexto de estúdios privados nascem com uma história "completa”, com um contexto de onde vieram e como vivem, com quem se relacionam, ou seja, com uma estrutura central de personagens e uma história. Basta lembrarmos da Turma da Mônica. Mesmo que o universo se expanda e cresça constantemente nesses últimos 52 anos, ele tem um ponto de nascimento bem estruturado, seja pela rua do Limoeiro, seja pela centralização dos 4 personagens principais: Mônica, Cebolinha, Magali e Cascão.

Diferente de um personagem como o Zé Gotinha, que nasce sem um universo. Mesmo que existam esforços para elaboração desse universo (2), são pouco estruturadas e pensadas sem uma visão de continuidade.

Mantendo a reflexão da matriz, é como se existisse uma outra régua de intensidade para complexidade e elaboração do universo desses personagens.

Matriz Qualitativa Personagens e Impacto na Sociedade | ABAETE ®2022
Matriz Qualitativa Personagens e Impacto na Sociedade | ABAETE ®2022

Uma boa construção de universo entrega elementos importantes para o sucesso de um personagem. A partir dele o personagem ganha uma vida própria, única, e consequentemente a habilidade de contar histórias a partir desse vida. Assim, a partir do lúdico e de diferentes linguagens, esse personagem ganha um super poder de contar histórias para envolver a audiência-população.

Essa capacidade de contar histórias e envolver audiências é central para o ciclo de sustentabilidade dos personagens comerciais.

Todavia, como podemos apreender com o caso do Zé Gotinha e o sucesso dos programas de vacinação no Brasil (3), a falta de um universo mais elaborado não invalida a capacidade desse personagem de mudar a sociedade.

Identificamos, por tanto, três elementos estruturantes no sucesso do Zé Gotinha em seu impacto na melhoria da comunicação do Plano Nacional de Imunização:

  • Afeto: mudou a abordagem pelo medo – de "seu filho terá uma vida ruim se pegar tal doença” para uma abordagem acolhedora, humanizando e focando no processo de vacinação e não nas consequências racionais que determinada doença pode causar.
  • Simplificou a comunicação unificando e centralizando as mensagens a partir de um único personagem, algo essencial para ter o alcance e abrangência do Brasil por inteiro.
  • Consistência, a importância da repetição e da insistência para gerar movimento e mudança de comportamento na sociedade. O Plano Nacional de Imunização existe desde 1973, com constantes aprimoramentos em sua forma de comunicação, como o surgimento do Zé Gotinha em 1986. Em 2015, a média de cobertura nacional era de 97% (4).

No projeto do Nelson da Silva Neto, estamos buscando uma posição ideal entre um personagem com intenção original de impacto, mas que também tenha um universo construído para gerar engajamento e envolvimento a longo prazo, bem como a sustentabilidade que esse engajamento oportuniza. Um personagem que consiga entreter e informar a maioria dos brasileiros, especialmente os que possuem pouco acesso ao conceito de primeira infância. Seja nas redes sociais, numa série, num filme, num HQ ou numa exposição.

(0)
O que é A Primeira Infância

(1)
Sam Sternin, consultant focussed on helping local communities and organizations build capacity to address the development challenges they face across sub-Saharan Africa, South and Southeast Asia in a range of fields from water & sanitation, public health (maternal health, adolescent health, vaccination, etc.) and nutrition, to micro-finance, pro-poor urban development, disaster management and adolescent girls’ empowerment.

(2)
Criação, em parceria com a UNICEF, da família do Zé Gotinha em 1994 como forma de comunicar todo o ciclo de vacinação e cuidados infantis, do pré-natal ao crescimento da criança. Fonte: Biblioteca da Organização Pan-Americana de Saúde

(3)
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de Imunizações (PNI): 40 anos.

​​NASCIMENTO, D.; MARANHÃO, E. Uma gota, duas doses: Criança sadia, em paralisia. In.: NASCIMENTO, D.; CARVALHO, D. (orgs). Uma história brasileira das doenças. Brasília: Paralelo 15, 2004.

(4) Desde então esses números estão em queda

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